UNIDADE II - A abrangência da Palavra de Deus



  

Estimados estudantes do curso de Teologia da Faculdade Internacional Cidade Viva, escrevo-lhes este pequeno opúsculo, como um registro inicial da próxima etapa do nosso curso e das ligações que teremos com a primeira unidade. Na primeira unidade, discutimos acerca dos conceitos gerais de cosmovisão e do conceito mais restrito de cosmovisão cristã, aplicamos algumas ideias aparentemente escandalosas em uma pequena revisão dos costumes da igreja.

SOBRE O NOSSO PROPÓSITO COM ESSE CURSO

Mas, preciso esclarecer uma coisa! O nosso intuito, mesmo quando desafiamos alguns costumes que já fazem parte da igreja há muito tempo, é que voltemos às Escrituras com fidelidade interpretativa para que sejamos capazes de “experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm 12:2b). Com isso, estimo que os meus alunos passem a ser críticos das suas próprias ações e compreendam os desvios comportamentais e culturais da igreja ao longo dos séculos. O propósito é que amadureçamos a nossa fé ao ponto de sermos cristãos equilibrados – nem legalistas, nem liberais. Nas palavras do apóstolo Paulo, “o propósito é que não sejamos mais como crianças, levados de um lado para outro pelas ondas, nem jogados para cá e para lá por todo vento de doutrina e pela astúcia e esperteza de homens que induzem ao erro” (Ef 4:14).

SOBRE OS FUNDAMENTOS DE UMA COSMOVISÃO CRISTÃ

O princípio fundamental de uma verdadeira cosmovisão cristã é a total submissão a Cristo e à sua poderosa palavra. Entendo que esse tipo de compreensão e de opção de vida seja muito difícil para aqueles que estão fora da igreja. Pois, eles jamais “nasceram de Deus” (Jo 1:13), não tiveram suas mentes renovadas pelo Espírito Santo (Rm 12:2a) e não se tornaram “participantes da natureza divina” (II Pe 1:4). Nós, entretanto, experimentamos o novo nascimento em Cristo (Jo 1:12; 3:16), e esse novo nascimento foi o ato maravilhoso em que Deus “nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo” (c. f. II Co 5:18), fazendo habitar em nós o Espírito Santo (I Co 6:19) que frutifica de maneira generosa em nossas vidas (Gl 5:22-23).
Desta maneira, já que não somos mais escravos do pecado (c. f. Rm 6:6), temos as nossas vidas sujeitas à Cristo e compreendemos que aquilo que Ele nos ensina é o melhor para nós e para todo o universo. Sobre as Escrituras, Paulo afirma "Se alguém anuncia um evangelho diferente daquele que já receberam, que seja amaldiçoado" (Gl 1:9). No verso anterior (Gl 1:8) ele afirma que nem mesmo um anjo poderia mudar o evangelho já anunciado. E que todo aquele que tentar fazer isso, deve ser amaldiçoado. Logo, a chave para uma verdadeira e profunda cosmovisão cristã é aceitar o princípio da Reforma que diz Sola Scriptura, ou seja, só as Escrituras são divinamente inspiradas e capazes de modelar a vida do indivíduo e da sociedade.

SOBRE A ABRANGÊNCIA DAS ESCRITURAS
Mas, qual é a abrangência das Escrituras? Essa pergunta é fundamental no estudo da cosmovisão cristã e a sua correta resposta é fundamental para que a cosmovisão seja, de fato, cristã. Mas, não se preocupem, não é tão complexo. A mais famosa frase de Abraham Kuyper é bastante esclarecedora nesse sentido: “Não há um único centímetro quadrado, em todos os domínios de nossa existência, sobre os quais Cristo, que é soberano sobre tudo, não clame: ‘É meu!’”. Ora, abrangência da Palavra de Deus é igual a abrangência da ação de Cristo, ou seja, sobre tudo.
Um estudo mais profundo de Teologia Sistemática mostrará a vocês que a Palavra é o instrumento por meio do qual Cristo rege o mundo em toda a sua plenitude. Mas, a Palavra precisa ser entendida em dois sentidos: primeiro como ordem expressa proferida de maneira imperativa pelos santos lábios – por exemplo quando disse ao jovem paralítico: “Tenha bom ânimo, filho; os seus pecados estão perdoados" (Mt: 9:2) ou quando disse ao mesmo jovem “Levante-se, pegue sua maca e vá para casa” (Mt 9:6), mostrando seu domínio e autoridade tanto no âmbito espiritual sobre o pecado e sobre destino eterno da humanidade, quanto sobre a natureza física, curando o rapaz de um mal desconhecido.
A segunda forma de se compreender a Palavra como instrumento régio do senhorio de Cristo sobre o universo é a observação de toda a narrativa bíblica como ensino contínuo e completo para a vida como um todo. Quando o próprio Senhor Jesus em profunda contenda contra o inimigo de nossas almas afirma que “nem só de pão vive o homem, mas de toda palavra que procede da boca de Deus”, devemos aprender a importância que sua Palavra tem no dia a dia da nossa existência. Paulo, esclarecendo o sentido da afirmação do Senhor Jesus, ensina: “Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução em justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” (II Tm 3:16-17).
Aquilo que Jesus ensina e que Paulo ratifica sobre a Palavra de Deus só é válido sobre a Bíblia, pois Pedro enfatiza que “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Santo Espírito” (II Pe 1:20-12). E, também, o autor da Carta aos Hebreus afirma: “Pois a Palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes, ela penetra ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamentos e intensões do coração” (Hb 4:12).
Assim, concluímos que a Bíblia é a única autoridade formadora de uma cosmovisão cristã, seja pela fé, seja pelo intelecto, seja por qualquer outro caminho, somente a Bíblia pode, verdadeiramente, direcionar a vida Cristã.

SOBRE A AUTORIDADE DE CRISTO SOBRE OS DESCRENTES

Mas, então, a autoridade de Cristo ultrapassaria os limites da Igreja? Ele é soberano sobre as pessoas que não creem? Seria correto querer que as pessoas que participam de credos não cristãos se submetessem à cosmovisão cristã? A resposta para todas essas questões é sim. Primeiro, por causa da graça comum que atinge todas as pessoas de maneira benéfica, possibilitando que elas vivam com dignidade, mesmo quando não creem no Senhor Jesus, pois “Ele é a propiciação pelos nossos pecados, e não somente pelos nossos, mas também pelos pecados de todo o mundo” (I Jo 2:2). Isso não significa salvação para todos, mas misericórdia para que todos, crentes e não crentes, possam viver.
Em segundo lugar, a autoridade de Cristo e, consequentemente, das Escrituras, é válida sobre todos por que embora a sabedoria de Deus seja loucura para os descrentes (I Co 1:18), ela é o melhor caminho para todos. A fé cristã é a base de toda a filosofia moral do ocidente, mesmo aqueles filósofos que tentaram negar a sua divindade – Kant, Nietzsche, Hume, Voltaire, dentre muitos outros –, normalmente, aceitam os seus preceitos morais, os seus ensinos sobre justiça e suas ideias sobre liberdade individual e convivência coletiva. É isso mesmo, até os maiores críticos de Cristo – lógico, estamos falando de filósofos que não viam na libertinagem uma alternativa para a vida – compreenderam e aceitaram a sua moralidade.

SOBRE AS AUTORIDADES HUMANAS

Para que sigamos em frente, uma coisa mais precisa ser relembrada, a questão da autoridade. O mundo criado por Deus era uma obra completa e sem nenhum tipo de escassez, seja material ou moral. Assim, o papel da humanidade no contexto do mundo que antecedia a Queda era a vida no pleno Shalon de Deus, ou seja, na paz, na abundância e na harmonia entre todos. Uma vez que não existia pecado, não haveria necessidade de autoridades entre o povo. Respeito, obediência, justiça, responsabilidade e todos os atributos morais dessa natureza eram inatos, não eram frutos de disciplina, nem de doutrinação de qualquer tipo, mas da natureza criada e impingida no coração humano. Assim, as pessoas agiam de maneira correta, sem nem mesmo entender que havia uma maneira errada para se agir. Nesse contexto, a autoridade de Adão sobre Eva, por exemplo, não era para mandar ou para subordiná-la, mas para conduzi-la em santidade (Ef 5:26-27) no projeto familiar, sempre submisso ao projeto geral de Deus.

SOBRE CRISTO E AUTORIDADES HUMANAS

Kuyper, em seu livro intitulado Calvinismo, mostra-nos que o estado não estava no projeto de Deus, ele foi admitido como um ato misericordioso do Senhor para que a humanidade não se autodestruísse. As Escrituras afirmam que “não há autoridade que não venha de Deus” (Rm 13:1b). Assim, compreenderemos mais adiante, que até mesmo os tiranos que volta e meia tomam conta do poder político estão de baixo da plena autoridade de Cristo. E que Cristo jamais perdeu o controle, mesmo quando as situações nos assustam.
Finalmente, voltemos ao nosso interesse na abrangência da Palavra de Deus e da autoridade de Cristo. Baseados em tudo que mostramos até agora, podemos ver a abrangência da Palavra tanto em sua utilidade, quanto em sua temática. A Figura abaixo, tenta ilustrar esses dois aspectos das Escrituras.   



A Figura ilustra duas realidades da cosmovisão cristã: 1) a Bíblia como fonte de sabedoria para todas as áreas da vida; e, 2) Cristo como soberano sobre tudo, inclusive sobre a Bíblia. É verdade que a Bíblia não é um livro científico e que nem todos os assuntos estão detalhados nela. Poderíamos afirmar assim: a Bíblia não é uma narrativa completa de todas as histórias e situações da humanidade, mas é uma narrativa sobre o grande caminho que o universo está percorrendo ao longo da história e sobre o destino de toda a Criação. Assim, compreendemos que ela tem algo a dizer sobre todas as áreas das nossas vidas e da existência do universo.
Acerca de Jesus, a Figura o apresenta como soberano sobre cada uma dessas esferas da vida e do universo. Ele afirma sobre si mesmo, “Foi-me dada toda autoridade no céu e na terra” (Mt 28:18) e Paulo confirma essa autoridade, dizendo: “Deus colocou todas as coisas debaixo de seus pés e o designou como cabeça de todas as coisas para a igreja, que é o seu corpo, a plenitude daquele que enche todas as coisas, em toda e qualquer situação” (Ef 1:22-23).

SOBRE O DOMÍNIO PARTICULAR DAS ESFERAS DA AÇÃO HUMANA

No entanto, quando dizemos que Jesus Cristo tem domínio sobre todas essas esferas, não negamos aos setores como a ciência, por exemplo, o direito às suas próprias reflexões e especulações. Ao contrário, junto a Rookmaaker, afirmamos que tudo aquilo que o ser humano é capaz de fazer – seja na ciência, na política, nos negócios, nos governos etc. – é fruto do dom criativo que Deus nos deu. Assim, cada uma dessas esferas, embora esteja sob o domínio de Deus, é independe da outra. Isto quer dizer que a religião, por exemplo, pode criticar o que a ciência faz ou diz, mas não pode impedir que a ciência faça ou diga alguma coisa. Da mesma forma, a ciência pode criticar a religião, mas não pode calá-la.

SOBRE O NOSSO BREVE FUTURO

Agora, nessa segunda unidade, vamos trabalhar especialmente quatro importantes áreas sobre as quais o nosso Senhor tem total domínio: a religião, a ciência, a política e as artes. Esses temas serão tratados a partir de textos de especialistas, bem mais versados do que eu. Assim, disponibilizo para vocês, nos links abaixo, os textos que vamos utilizar, inclusive esse texto e, também, o programa do curso.
Basta clicar nos links abaixo:


AULA DE 30/03/2020 - Texto de Kuyper  (Está disponível o livro inteiro, mas só precisam ser a palestra sobre religião).



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